Dia usual de trabalho.
Lá no ambulatório... ouvir pacientes, ajudar no possível, orientar, marcar cirurgias.
A manhã corre em companhia de muitas pessoas das quais, preciso confessar, nem sempre lembro o nome.
É deselegante, eu sei, mas se de algum consolo serve, se não lembro dos nomes de todos que conheço, dificilmente esqueço um rosto. Por isso, logo que cheguei, percebi a presença do filho de uma paciente.
D. Lindaura... moradora de uma cidade fronteiriça, sempre em trânsito... não pensava em deixar sua casa pelos filhos, mas não deixava de ver seus filhos em suas casas, mesmo que fossem há algumas centenas de quilômetros distantes. Uma senhora alegre, apesar dos anos difíceis, segundo ela mesma constumava contar.
O seu filho sempre a acompanhava, procurando entender o problema e assim, ajudar.
Ele esperou que eu atendesse a todos os pacientes marcados e, ao final, pediu para entrar.
- Bom dia doutora, posso entrar e falar com a senhora?
- Claro que sim. Como vai sua mãe? Já não está no período de retorno?
- É sobre ela que vim falar. Eu vim aqui dizer que minha mãe agora está com Deus...
Surpresa a ponto de perceber minha expressão no olhar dele, enquanto na minha cabeça retumbavam as possíveis causas mortis "será que ela teve uma trombose e complicou com uma embolia pulmonar ou aquela úlcera infectou novamente e ela não foi bem tratada..." perguntei:
- Mas... o que aconteceu?
- Segundo os médicos lá na Bolívia, onde ela foi atendida, foi infecção na vesícula, que estourou.
- Meu Deus... e há quanto tempo foi isso?
- Vai fazer dois meses. E eu vim aqui, para dizer à senhora o que tinha acontecido, porque eu sei que a senhora ia ficar pensando porquê ela não voltou para o retorno...
- É muita gentileza sua.
- E também agradecer por todo o carinho e toda a atenção que a senhora teve com ela nesse tempo de tratamento. Ela estava muito bem, feliz porque voltou a fazer as coisinhas dela e falando para as amigas que não sentia mais nada na perna.
- Eu não sei o que dizer... eu que agradeço a sua atenção e consideração em ter vindo aqui, me avisar, apesar de sua dor.
- Não precisa dizer nada...
Nos despedimos com um aperto de mãos e desejos de felicidades para este fim-de-ano... apesar das infelicidades.
Passei o resto do dia pensando no gesto dele. E no desenho de um Smilinguido que um paciente me deu em agradecimento por tê-lo tratado num trauma. E na galinha caipira que uma paciente veio me trazer. E no queijo que outra fez questão de me dar. E no sorriso de satisfação da paciente que operei no último sábado...
... e na frase de uma amiga ginecologista: "Eu sou muito amada na minha profissão."
Eu não tenho a pretensão de ser tão amada quanto ela, que lida com duas vidas ao mesmo tempo, que conforta mães aflitas e ajuda a pôr seus filhos no mundo. Eu, como cirurgiã, por vezes preciso impor procedimentos e ser incisiva em algumas situações mas, momentos como estes levam as dificuldades da profissão para um cantinho distante, fazem os dias ruins irem embora e reiteram meu amor pela medicina.
Literalmente.
receios, paranóias e outras dúvidas...
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3 comentários:
Angela, nem sempre nossos atos são percebidos pelo o próximo. Mas ás vêses um ato de uma pessoa tão simples mas tão cheia de gratidão nos faz refletir sobre o nosso fazer diário.
Beijos de sua mãe!
Por isso eu digo e repito pra todos que quiserem ouvir: É por essas e outras situações que me espelho em você e pretendo ter pelo menos 10% do mesmo carisma e atenção que você demonstra pra todos, sendo ou não seus pacientes... Te amo do fundo do meu coração!!!
PS: O comentário excluído foi o meu, porque esqueci uma palavra no meu texto, e então ele ficou meio sem sentido... kkkkkk... bjus
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